A pirâmide etária da população brasileira está envelhecendo – e isso já faz alguns anos. Mesmo assim, falar de longevidade no mercado de trabalho ainda parece um tabu. E isso porque, idealmente, todos nós precisamos pensar no futuro. “Daqui a 30 anos, muitos de nós seremos considerados terceira idade”, refletiu João Castanheira Filho, consultor associado da MHYanaze & Associados, junto aos participantes do Whow! Festival de Inovação. “Mas o mercado só quer jovens”.
Essa é uma reflexão que talvez precise começar pelo simples conceito do que é, efetivamente, ser idoso. Flavia Morizono, sócia e diretora de planejamento da Joia Eventos Estratégicos, lembra que aquele idoso representado no símbolo das vagas de estacionamento, curvado e com bengala, não existe mais. O próprio mediador, João Castanheira, está com 66 anos e iniciando um segundo doutorado porque não gostou do primeiro que tinha escolhido. “Independente de qualquer coisa, eu quero ser feliz”, diz. E isso não depende de idade. “É preciso repensar o mercado de trabalho, que é tão cruel com os brasileiros”.
“O preconceito começa em nós mesmos”, analisa Regina Bittar, locutora e apresentadora. “Quando me chamaram para vir nesse painel, eu pensei ‘poxa, mas não podia ser outro tema? Tecnologia, inovação…’. Começa comigo”. Em sua visão, os jovens, hoje, discutem muitos preconceitos – com relação a gênero, à estética, mas não com relação à idade. Porque isso não importa para a geração mais nova. “A minha geração é muito ligada a paradigmas de estética, gordo, magro. Até hoje, nenhum jovem me desrespeitou com relação a idade. Os jovens não tem preconceito com idade. O que existe ainda, é nosso, da nossa geração. Nós de 30, 40, 50, essa geração tem um conceito mais antigo”, diz.
Conceito
Os participantes lembram como isso também pesa mais contra as mulheres. “Por exemplo, aos 66, eu consigo ter namoradas mais novas e tudo bem. Para as mulheres, a sociedade vê como um problema o namorado mais novo”, lembra o professor. “Fora que todo homem mais velho é um George Clooney, as mulheres são consideradas descuidadas”, concorda Morizono.
Para Bittar, graças à evolução tecnológica junto da liberdade de produzir conteúdo, as gerações Y e Z não têm esse tipo de conceito fechado. O que é ótimo. Uma pesquisa conduzida pela Joia sobre comportamento de consumo das pessoas com mais de 60 anos buscou exatamente quebrar alguns paradigmas. “A primeira coisa que descobrimos é que ninguém gosta de ser chamado de idoso. É um rotulo, que todo mundo usa, mas no dicionário quer dizer descartável, obsoleto, velho. Ninguém quer isso”, garante.
Diálogo
A diretora de planejamento reforça que o senhorzinho de bengala das placas não está mais aqui. E por isso é tão necessário que o mercado de trabalho integre – e não separe – as gerações. É um desafio, porém, é um movimento urgente. “Para que isso dê certo, é preciso que justamente a gente não se porte o tempo todo como seniores e donos da verdade. Na verdade, nada sabemos”, destaca Bittar. “Quanto mais eu vou chegando numa certa idade, mais eu vejo que não sei nada, preciso começar tudo de novo. E é isso que todo mundo precisa fazer para que as gerações convivam bem”.
Afinal, só é possível encher um copo que já está cheio d’água se ele for esvaziado antes. Um indivíduo em um momento de maturidade, que se considera sênior, precisa esvaziar o copo dele, pois tudo pode ser novo. “A mesma oportunidade que o jovem tem de aprender, o sênior também tem, contanto que se proponha a se atualizar, a aprender”.
Castanheira conta que se propõe a estudar o tempo todo. Em sua carreira, a cada quatro anos estava em uma função diferente na mesma empresa. “Isso é possível para qualquer pessoa que queria se reinventar”, lembra. “Certamente o celular vai ser muito diferente daqui três anos, e todos nós também. Só que se eu não tiver uma mentalidade de fazer as coisas diferentes, talvez não esteja aqui com vocês porque estarei completamente obsoleto. Assim como temos jovens completamente obsoletos”.
Mudança de postura
A grande questão que ronda a longevidade é a postura de todos os atores do cenário do mercado de trabalho. Como lembra Flávia, existem empresas em que a área de recursos humanos simplesmente separa os currículos de pessoas com mais de 45 anos, nem param para ler. Não dá para isso acontecer em um país de pirâmide etária adulta. “É preciso repensar a contratação. Não é injusto demitir uma pessoa mais velha para contratar três em seu lugar?”, provoca. Ao questionar aos presentes quantos ali tinham contratado pessoas com mais de 45 anos neste ano, seis pessoas levantaram a mão. Em uma plateia com mais de 100 pessoas, é um número bastante significativo.
O caminho da resolução é o respeito. A longevidade faz parte da diversidade. Pode ser desafiador integrar uma equipe de diferentes gerações, mas é fato que um time assim traz mais resultado. A experiência convive com a sede do novo, são visões que se complementam contanto que haja diálogo de todos os lados. Para finalizar, Bittar fez uma brincadeira: revelou a sua idade e destacou como isso é difícil para ela. “O preconceito está em nós mesmos e é isso que precisamos mudar”, diz. É uma mudança que começa de fora para dentro – e envolve empatia, respeito e muita vontade de aprender (de todas as gerações).