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De onde vem a fé nas fake news?

De onde vem a fé nas fake news?

Para a mídia criar um modelo de negócios eficiente para a nova economia, ela precisa, antes, recuperar a credibilidade diante do público

Em junho de 2017, o brasileiro era o segundo povo mais confiante em sua mídia no mundo, perdendo apenas para a Finlândia, segundo pesquisa da Reuters. Em 2019, uma nova pesquisa, da IFA Global Press Conference, aponta um momento de desconfiança do brasileiro em relação ao noticiário. O nível de credibilidade chegou a 41 pontos – 8 abaixo do patamar mínimo para ser considerada confiável.
Mas pensando em meios noticiosos, nenhum foi capaz de ocupar o vácuo deixado pela grande mídia. Nem mesmo as redes sociais, que apesar de ganharem destaque nos últimos anos como fontes de informação, são vistas com muita desconfiança por parte do seu público. Segundo estudo da IFA, as redes sociais são as menos confiáveis entre todas as fontes de informação, com 47% de credibilidade. A mídia tradicional tem 63%. Então, de onde vêm a fé das pessoas que justificam as fake news?
Se é verdade que não há espaço vazio na disputa das narrativas que tentam dar a melhor versão para o mundo, parece que o cidadão está, ele próprio, preenchendo esse espaço. Seja com versões plausíveis da realidade ou com meros devaneios.
Pelo crescente fenômeno das fake news, parece que os devaneios estão abrindo espaço no meio de realidades factuais. No Brasil, a disseminação de fake news agora pode custar até 8 anos de cadeia, segundo Lei 13.834/2019 aprovada em agosto depois de o Congresso derrubar um veto presidencial que impedia o aumento da pena para esse tipo de crime.
O documentário “A Terra é Plana” (EUA/2018) mostra como se formou uma comunidade de americanos em torno da contestação sobre o formato do planeta. A produção mostra como a psicologia social está no cerne das narrativas mais distantes da realidade e como ela cria suas versões mais alternativas para contestar o status quo. É um pensamento que se propõe revolucionário, mesmo que absurdo. A questão, portanto, não é o formato da terra, mas a verdade consensual de um mundo que não deu certo. Ao menos para essas pessoas.

Fake news
Pexels

Segundo o jornalista William Waack, que deixou a Globo em 2017 e vai comandar o jornal mais importante da estreante CNN Brasil, é nesse espaço de vazio de verdades factuais e crise das instituições (as que representam o estado ou as que o fiscalizam) que emergem as fake news.
Para ele, esse fenômeno é resultado principalmente da perda de confiança do público na capacidade da grande mídia em ser a instância que checa a realidade objetiva dos fatos. Para o jornalista, o público está órfão de padrões de referência. “É isso que o vocabulário anglo-saxão chama de gatekeeper, aquele que toma conta da veracidade objetiva dos fatos”, afirmou o jornalista durante o 10º Fórum Lide de Marketing Empresarial, organizado pelo Grupo Lide no Guarujá.
Esse processo de escolha do que é noticiável ou não deve cumprir alguns critérios que vão construir o que Mauro Wolf, professor e sociólogo italiano, chamou de valor-notícia.
Waack destaca que o que se convencionou chamar de fake news não está relacionado apenas a inventar fatos, distorcê-los ou escondê-los. Ele conta que esse tipo de jogo de poder, baseado na construção de uma realidade alternativa, não é novidade. “Isso é tão velho quanto eleições. Desde que existe imprensa existe a prática de jogar bosta no inimigo. Nisso, não existe nenhuma novidade. A novidade está no fato de as pessoas se sentirem órfãs desse padrão de referência”, avalia.

Para recuperar a credibilidade diante do público, a mídia precisa se fazer novamente presente como padrão de distinção do que é falso e verdadeiro, algo que, segundo o jornalista, foi perdido por conta do viés ideológico dos noticiários.
“A percepção das pessoas (sobre o jornalismo) é: ‘vocês estão cobrindo política ou fazendo política?’”, avalia Waack. “Quando o público começa a perceber que a realidade à sua volta é diferente daquilo que lhe é servido como conteúdo, ele começa a achar que algo está sendo colocado porque faz parte de uma agenda. E ele supõe que qualquer agenda é manipulativa”, detalha.

Agenda política

O jornalista avalia que, nas eleições de 2018, as fake news pesaram mais sobre a perda de referência do público e do descrédito da mídia tradicional do que propriamente na decisão de voto dos eleitores, o que é corroborado pela pesquisa da IFA.
“Não acho que as fake news tenham tido um peso tão grande em termos de notícias falsas ou mentirosas inventadas por um partido a respeito de outro e vice-versa. O peso das fake news no ambiente político brasileiro hoje se dá pelo fato de uma parte importante da imprensa tradicional ter perdido a confiança do público. Isso que abre caminho para que interpretações ou visões distorcidas”.
Ele destaca ainda que os escândalos de fake news acabaram por chamar mais a atenção do brasileiro por ser algo novo nas eleições.

“A percepção das pessoas (sobre o jornalismo) é: ‘vocês estão cobrindo política ou fazendo política?’”

O filósofo e historiador italiano Norberto Bobbio aponta a concentração da mídia e o pensamento único como um prelúdio da antidemocracia. A falta de pluralidade, segundo o autor italiano, acaba por impactar diretamente a ideia de um homem, um voto.
Waack, porém, acredita que, a mídia brasileira, apesar dos erros que levaram à perda da credibilidade, continua entre as melhores do mundo. Ele não crê que haja uma concentração da mídia ou um pensamento único a mensurar o valor-notícia. “A mídia brasileira é plural, combativa, profissional, moderna, atuante e está entre as melhores do mundo”, avalia. “Considero positivo que organizações de mídia tenham suas opiniões e as declarem claramente, mas é preciso separar as opiniões do noticiário”, completa.
Roberto Meir, CEO do Grupo Padrão e publisher da revista Consumidor Moderno, também entende que a mídia tradicional cumpre uma agenda política como contrapartida às verbas de publicidade pagas pelos governos.
“Nos últimos 30 anos, houve uma cooptação clara da mídia pelos governos. Em nenhum lugar do mundo você tem anúncios comerciais de Ministério de Minas e Energia, Ministério do Interior, Ministério das Cidades, tantos outros ministérios e tantas estatais em veículos de mídia privada. Isso é uma jabuticaba”, afirma.
No começo deste mês, o governo anunciou a suspensão dos anúncios de balanços de empresas públicas na mídia tradicional. O que pode retirar R$ 1,2 bilhão da grande imprensa. Para Meir, a sobrevivência da imprensa não pode depender de uma relação comercial com o estado.

Todas as fontes de informação perderam credibilidade desde 2016. Ao contrário do que a ascensão das fake news poderiam sugerir, as mídias sociais – que levam a culpa pela ascensão desse fenômeno – estão entre as que mais perderam a confiança do público (IFA/2019). O espaço vazio deixado pela queda de confiança em todas as fontes de informação pode estar sendo preenchido pelas verdades individuais, que não precisam de comprovação

A recuperação da credibilidade pode estar no retorno da maneira tradicional de fazer jornalismo combinada com uma nova forma de veicular o conteúdo.
Para Meir, a degradação da confiança na mídia, responsável pela ascensão das fake news, começa com a perda de sentido da profissão de jornalista.
“Este é o pior momento para a profissão de jornalista, que está sendo destruída. A audiência vê o profissional da mídia como fabricante de fake, porque tudo que chega (ao público) é ideologia”, avalia.
“A mídia vai ter que inovar. É cada vez mais difícil alguém sentar para ler um jornal. A notícia tem que chegar até o leitor, como acontece nos pushes do New York Times, que recebo o dia inteiro”, afirma.
Ele destaca como positivo o fato de os grandes jornais do mundo apostarem no noticiário local para ser a base do seu conteúdo, além da apuração in loco dos fatos. “Não pode (o jornalista) ficar caçando assunto no Google. É (preciso) tirar a bunda da cadeira, ir para a rua, reportar e fazer reverberar. Aí você tem uma recuperação de credibilidade”, completa.
O jornalismo, para Meir, vai precisar mudar sua característica de produtor de notícias em escala industrial e passar também a desafiar a polaridade que, segundo ele, existe porque o espaço que era reservado ao bom-senso foi destruído. “Cada vez mais, as pessoas se isolam e polarizam mais. Você não tem mais lugar no centro. A todo momento você precisa tomar posição. E cadê a posição de quem quer pensar livremente? A lógica e a razão devem ser prevalecentes, sempre. E ela está ausente do debate”, conclui.

O novo papel da TV

A versão brasileira da CNN (anunciada em janeiro e que será lançada neste semestre) nasce num momento de profunda transformação da televisão, que passa a estar integrada a outras plataformas. “Nós não somos mais uma caixinha de notícias, mas uma produtora de conteúdo”, afirma Américo Martins, ex-colunista da Folha de S.Paulo e agora vice-presidente de Conteúdo da CNN Brasil. O 10º Fórum Lide de Marketing Empresarial foi o primeiro lugar onde representantes do jornalismo da CNN Brasil se apresentaram.
Martins reforça a necessidade de a mídia recuperar a credibilidade diante do público. “O bombardeio de fake news cria uma oportunidade para recuperação do padrão. Todo jornalista gostaria de dar a notícia primeiro, mas nós nos preocupamos mais em atender todos os padrões”, afirma. Para isso, a redação da CNN Brasil vai colocar para trabalhar juntos os departamentos jurídico, de redação e de checagem – iniciativa própria do modelo tradicional de jornalismo.
Para Martins, outra força constituinte dessa nova forma de fazer televisão, além da credibilidade, são as novas tecnologias, que exigem a produção de conteúdos para diversas plataformas.

Fake News
Foto Unsplash

Um exemplo da extensão dos canais de televisão para outras plataformas está no lançamento, nesta semana, dos podcasts da Rede Globo que são veiculados em tocadores como Spotify e Google Podcasts. Mesmo a maior rede de mídia do Brasil dá passos – lentos – na direção de ser apenas produtora de conteúdo, abrindo mão de ser dona das plataformas onde seus conteúdos são veiculados.
Para José Roberto Maciel, CEO do SBT, a exigência que a TV sempre teve de oferecer conteúdo audiovisual de segunda a segunda, sete dias por semana, é um diferencial de mercado que nenhum outro meio de comunicação possui. “Fazemos grade 24 por 7 e isso nos ajudou a ter um profundo know-how em curadoria de conteúdo, não importa para qual plataforma. Somos produtores de conteúdo. Hoje, o SBT produz 78% da sua programação”, avalia o executivo.
Além disso, o alcance da televisão e a intimidade que o meio criou com o público desde os anos 70 garantiu um outro diferencial para a nova economia. “Hoje eu tenho dados, sei quem são as pessoas. Temos 21 milhões de cadastros qualificados. O que eu preciso fazer agora é saber como usar esse potencial. Eu preciso aprender a falar com o novo espectador que nos aciona nas redes sociais. Se isso não acontecer, esse potencial não serve para nada”, conclui Maciel.
O potencial de compreensão do público que a TV possui é uma grande arma para o combate das verdades aleatórias e alternativas que pipocam durante a crise de confiança. É preciso saber se os dados sobre a audiência serão usados apenas para fortalecer a ideia que o público já tem de a mídia vê-lo como mera massa de manobra, ou se, de fato, poderão contribuir para que a verdade factual volte a ser percebida pelo público dentro da telinha, seja da TV, do smartphone ou de qualquer outra interface que venha a aparecer.


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