O Banco Inter anunciou, no começo deste mês, o que chamou de superapp, um aplicativo que concentra, além de diferentes serviços financeiros, serviços de varejo e turismo, entre outros.
Apesar da discussão sobre o que é de fato um superapp e se no Brasil existe um aplicativo que mereça essa definição, o fato é que bancos digitais, como o Inter, movem-se para ocupar espaços onde os gigantes tradicionais têm dificuldade (e temor) de entrar.
Em entrevista à Consumidor Moderno, o CEO do Banco Inter, João Vitor Menin, falou sobre o papel das fintechs e big techs na mudança do setor bancário, como o Banco Central está agindo para aumentar a competição no sistema bancário nacional e o perfil dos investimentos e do endividamento das famílias no País.
Consumidor Moderno – Os novos bancos nascem com a proposta de atacar problemas pontuais do sistema bancário. Qual problema o Banco Inter está mais empenhado em resolver?
João Vitor Menin – Queremos que seja mais cômodo e mais vantajoso a pessoa concentrar vários serviços em um app só. A ideia é fazer a diferença também nos produtos não bancários e não financeiros. Já fizemos um negócio muito bacana com os produtos financeiros, na digitalização desses produtos, como abertura de conta, operacionalização e gratuidade dessa conta. Agora, queremos levar essa facilidade para produtos não financeiros. Quando a gente conseguir fazer isso, começaremos a impactar positivamente as pessoas em momentos específicos do dia a dia dela.
C.M – Como você avalia a proposta dos grandes bancos ao Banco Central de regular fintechs e bancos digitais da mesma maneira que regula as instituições tradicionais?
J.V.M – Acho que a agenda BC+ está tentando fazer com que as fintechs e os bancos menores e digitais tenham condição de igualdade de competição. Porque estão fazendo isso? Porque viram que é saudável para o sistema financeiro nacional que você tenha mais competidores, que você tenha uma população bancarizada maior, e que não tenha uma economia paralela porque, assim, o BC consegue fazer seu papel de defender a moeda.
Não é que o Banco Central está sendo bonzinho com as fintechs ou com bancos menores, ele está fazendo o correto. A agenda BC+ continua ainda mais forte com a gestão do Roberto Campos, e ela tem tentado enquadrar as estruturas diferentes em obrigações diferentes. Por exemplo, a questão das responsabilidades… Tem coisas que só um banco tradicional pode fazer exatamente porque ele é mais regulado. E, a partir daí, existem os bancos mais ou menos regulados conforme sua definição, S4, S3, S2 e S1, que vai depender do tamanho que ele tem em relação ao PIB.
Isso está equacionado, com algumas correções para fazer. Por exemplo, os bancos que não estão entre os cinco maiores estão com desvantagem em relação ao compulsório. Nós, como Banco Inter, na categoria S3, impactamos pouco a política monetária, mas o compulsório impacta muito o nosso modelo de negócio com os 500 milhões de reais de corte para o depósito à vista, que deveria ser muito maior. Mas são coisas até pequenas. No todo, acho que esse tratamento igualitário e organizado para os diferentes atores, incluindo as cooperativas, está muito bem feito no Brasil.
“Queremos que seja mais cômodo e mais vantajoso a pessoa concentrar vários serviços em um app só. A ideia é fazer a diferença também nos produtos não bancários e não financeiros”
C.M – Os investimentos em 2020 devem migrar para o setor produtivo?
J.V.M – Já está migrando. Vemos um fluxo maior de pessoas indo para a bolsa, para os fundos de investimento. Deixar o dinheiro na SELIC está rendendo alguma coisa, mas muito pouco. Então, é preferível comprar uma cota de fundo de investimento ou de uma operação estruturada. Obviamente, essa mudança não vai ser total da noite para o dia. As pessoas têm que se aculturar, tem que ter conforto. Eu acho que tem que ter muita educação financeira, porque, no Brasil, ainda é pequena. Estamos falando que o juros está baixo, mas isso não tem 10 meses. As pessoas estão se acostumando, mas sem dúvida essa questão do capital produtivo é uma realidade e pode impactar a geração de emprego à medida que as pessoas estão indo para um fundo de investimento e não para um título público, que não gera emprego. Sem dúvida esse juro baixo ativa essa economia.
“Essa questão do capital produtivo (priorizado pela queda da Selic) é uma realidade e pode impactar a geração de emprego à medida que as pessoas estão indo para um fundo de investimento e não para um título público, que não gera emprego”
C.M – Como você vê o endividamento das famílias no Brasil?
J.V.M – Muita gente fala o brasileiro é muito endividado, o brasileiro é pouquíssimo endividado, o problema no Brasil está no juro, que é muito alto. Está caindo algumas linhas e com isso eu passo a ter o famoso serviço da dívida barato. Aí, sim, as famílias podem se endividar de uma maneira mais consciente, sustentável. Pegar um financiamento imobiliário, por exemplo, no qual eu pago hoje 7,5% ou 7,7% ao ano. É um excelente endividamento porque eu posso ter o meu imóvel próprio em vez de alugar.
O que não posso é pagar um cheque especial de 500% ao mês. A queda dos juros tende a impactar a iniciativa produtiva, o que é bom, e reduzir o serviço de juros das famílias. E quando você faz isso, elas consomem muito mais. Você potencializa muito a economia.
“O problema no Brasil está no juro, que é muito alto. Está caindo algumas linhas e com isso eu passo a ter o famoso serviço da dívida barato. Aí, sim, as famílias podem se endividar de uma maneira mais consciente, sustentável”
C. M – Mas essa redução ainda não chegou à ponta.
J.V.M – Chegou, mas temos que ser justos. Não chegou integralmente. Dei o exemplo do cartão de crédito mas, hoje, o quanto um brasileiro paga em um financiamento mobiliário? A quanto ele faz um crédito consignado? São um dos dois maiores produtos de crédito no Brasil, bem maiores que o cartão de crédito. No caso do crédito imobiliário e no consignado, a Justiça brasileira é ótima e é preciso ter esse lado da Justiça dando segurança para que chegue na ponta.
Para chegar na ponta na plenitude, acho que tem outras questões a arrumar, como o risco da inadimplência no cartão de crédito. Não adianta baixar a certo ponto e não receber. A gente tem visto o BC se mexendo, agora mexendo no cheque especial. Eu vejo tudo isso com bons olhos.
C.M – Como as big techs vão mexer com o mercado bancário?
J.V.M –Muito se discute se as big techs vão entrar no mercado bancário. Vemos a iniciativa do Libra, que é uma criptomoeda, mas ao mesmo tempo vai poder ser transacionada. Mas existe um push back muito forte dos reguladores, o que é natural porque cada país tem sua divisa, tem sua regulação. Veja só a complexidade do Euro, o tempo que demorou para ser estabelecido e todas os detalhes, com a Itália não podendo imprimir moeda porque tinha um endividamento muito alto. Esses sistemas são complexos.
Hoje, a tecnologia permite muita coisa, mas esbarra no regulatório. A gente vem da crise de 2008, que parece que tem muito tempo, mas que afetou absurdamente o sistema mundial. Por isso, os bancos centrais ficaram muito preocupados e começou a ter os relatórios de estabilidade dos bancos, com a proteção aos “to big to fail“, os bancos sistemicamente importantes. Pensar nas big techs tomando conta, sendo protagonistas dos sistemas de pagamentos, eu acho pouco factível, acho que vão ajudar de outras formas, mas é um futuro difícil de prever.
Mas se me perguntar se hoje eu estou competindo com bancos ou big techs eu respondo que estamos competindo com a gente mesmo. Temos que ser bons naquilo que já fazemos, além de lançar produtos novos. É o caso do nosso superapp, que antes era financeiro e agora está indo para outros serviços.
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