Se o #OSCAR2020 acenou para o zeitgeist de mudanças sociais que borbulham pelo globo ao premiar o filme sul-coreano Parasita (se não assistiu, clique aqui para saber mais), tem mais uma produção que foi reconhecida na noite de gala do cinema e que não pode ficar para trás nos comentários. Trata-se do do curta-metragem de animação Hair Love (assista abaixo), criado por Matthew Cherry e Karen Rupert, e produzido pela Sony com patrocínio da Dove, vencedor em sua categoria.
O que tem de tão bacana nesse pedacinho de filme? Para começar, os protagonistas são uma menina negra e sua família. É sobre mostrar, com bastante delicadeza, como é importante haver representatividade no universo da beleza, como meninas e meninos precisam se ver nas telas do entretenimento que priorizam sempre as mesmas narrativas (brancas e europeizantes).
Na produção, a garotinha Zuri acorda e vai se arrumar diante do espelho. Quando solta o cabelo, a tela se enche com seus fios afro. Ela roda e roda os vídeos do Youtube para saber como penteá-lo.
É o retrato de algo corriqueiro, né? Mas a relação com o cabelo afro impacta a vida de milhões de pessoas. “Passamos jornadas capilares pelas quais as pessoas não entendem. Querem tocar e ver se é diferente. Há micro-agressões que tendem a deixar muitas pessoas inseguras. A coisa mais legal que eu já vi nesse projeto é que as pessoas conseguem se relacionar com essas imagens”, disse Matthew Cherry ao site americano Refinery 29, quando entrevistado antes do Oscar.
Mulheres negras, em especial, cujo cabelo precisava ser alisado, quase como regra, para serem aceitas socialmente, se sentiram impactadas. Ainda bem que as gerações mais jovens – como a dessa menina da animação – estão conseguindo quebrar preconceitos e estereótipos racistas ligados à aparência e ao comportamento.
Mas o curta-metragem avança: o responsável por pentear o cabelo da menina é o pai. E daí a trama brinca colocando-o em um ringue de luta no qual imagéticamente duela com os cachos da filha.
Outra mensagem passada aqui: cabe aos homens também se envolverem com tudo que se refere à criação dos filhos. Neutralizar o conceito do que é tarefa “da mãe” ou “do pai” se tornou mais que urgente na sociedade em que vivemos. Cherry já disse também ter escolhido esse rumo no roteiro para reforçar uma visão positiva sobre os homens negros na sociedade, outro ponto que precisa ser discutido.
No fim das contas é fácil perceber que a produção não fala de cabelo somente, mas de aceitação. Os fios que ficam na nossa cabeça são, como diria, um condutor. A mãe quando surge na trama está… Careca. E como já entrei na zona do spoiler, paro por aqui. O curta-metragem é comovente, bem feito, viralizante. E lá nos créditos você identifica a marca Dove.
Porque é possível ter uma causa mesmo sendo uma empresa; é possível apoiar mudanças positivas rumo a uma sociedade mais inclusiva de forma relevante. Essa quebra de paradigma precisa ser feita.
No caso da Dove, a escolha foi apoiar de maneira discreta. A marca da Unilever ficou sabendo do projeto enquanto Cherry ainda estava em financiamento coletivo. Decidiu, então, doar dinheiro para o curta se realizar sem pedir que, em troca, fosse incluído qualquer produto de sua linha na animação. Apenas o logo, no encerramento, remeteu ao apoio dado à produção. O resultado? Estar vinculado, de maneira positiva, a algo que serve de modelo tanto para outros produtores de conteúdo quanto para empresas que ainda duvidam do poder de abraçar esse tipo de ação.
É POSSÍVEL TER UMA CAUSA
MESMO SENDO UMA EMPRESA
É POSSÍVEL TER UMA CAUSA
MESMO SENDO UMA EMPRESA
É POSSÍVEL TER UMA CAUSA
MESMO SENDO UMA EMPRESA
O curta é inspirado em um livro homônimo escrito por Matthew Cherry, que deve chegar ao Brasil ainda este ano. E vale lembrar que a produção foi feita com financiamento coletivo – precisava arrecadar 75 mil dólares para existir, terminou com budget de 200 mil. Que seus criadores coloquem muitos outros desenhos no ar. Como plateia e como cidadãos, estamos ansiosos para isso.
“Parasita”: Pessoas, baratas, parasitas e a diluição da identidade
Dicas de séries para todas as gerações maratonarem na Netflix
5 lições de “Parasita” que explicam seu sucesso
Top 10: filmes que prometem bombar em 2020
“Coringa” está no topo da lista dos 100 melhores filmes da década