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O poder das mulheres negras empreendedoras na série “A Vida e a História de Madam C. J. Walker”

O poder das mulheres negras empreendedoras na série “A Vida e a História de Madam C. J. Walker”

História real do começo do século 20, nos Estados Unidos, vai muito além de mostrar uma das primeiras milionárias negras num país pós-escravidão. Ela reforça a importância cada vez maior de narrativas sobre diversidade, mobilidade social e que questionem o racismo

O que mobiliza alguém a empreender? Como nasce essa força motivadora? As razões podem ser variadas, mas um ponto de partida comum começa, em geral, com uma questão pessoal que coloca alguém diante de construir seu próprio sustento vendo oportunidades onde outros ainda não enxergaram. Sites e veículos especializados em empreendedorismo estão cheios de exemplos dessas trajetórias de sucesso. Mas elas quase nunca são protagonizadas por mulheres negras, já reparou? Existe um vácuo em trazer esses relatos, o que faz parecer que eles não existam.

Grande engano.

Uma prova disso está no seriado “A Vida e a História de Madam C. J. Walker”, disponível na Netflix, e que traz os feitos de uma das primeiras empreendedoras negras dos Estados Unidos. Madam C. J. Walker, como ficou conhecida, criou um império de produtos de beleza para mulheres negras, sendo pioneira no ramo. Era norte-americana, nasceu em 1897 e morreu em 1919. Filha de pais escravos, foi a primeira entre os seis filhos do casal a nascer “livre”. A abolição da escravidão nos Estados Unidos era recente e Sarah Breedlove, nome de batismo de Madam, ficou órfã aos 7 anos de idade (já tinha perdido a mãe aos 4). Casou-se aos 14, como ainda acontece com diversas crianças pobres mundo afora (inclusive no Brasil), engravidou, e antes de chegar aos 20 anos ficou viúva. Uma verdadeira saga de resistência para alguém tão jovem.

A perspectiva de vida de Sarah até aquele momento incluía, no máximo, o serviço de lavadeira. Como mexia com detergentes muito tóxicos, seu cabelo começou a cair, algo comum a muitas trabalhadoras negras. A autoestima abalada a fez recorrer a um produto para tratar o problema – que na série é apresentado a ela por outra mulher. Assim Sarah teria aprendido mais sobre cosméticos e cabelos, em especial como tratar fios crespos. Para não dar mais spoilers, basta saber que ela aprimorou a fórmula, tornando-a mais agradável, e criou sua própria marca de beleza. Anos depois, em 1918, Sarah havia se tornado milionária, a ponto de comprar uma mansão de 34 quartos, ao lado do magnata do petróleo John Davison Rockefeller, em Nova York.

Os episódios sobre a cruzada de Madam C. J. na Netflix trazem muito ensinamentos, principalmente no Brasil, onde uma mulher negra recebe o equivalente a 44% do salário de um homem branco, segundo o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça”, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em novembro de 2019. Fica claro que esse é um assunto sobre o qual precisamos falar cada vez mais – inclusive em tempos de pandemia de novo coronavírus, pois essa parcela da população é a mais afetada no momento.Para tratar da importância social, cultural e econômica da série, abro espaço para alguém com lugar de fala e propriedade na análise da trajetória da mulher negra nas sociedades, em especial, a brasileira. Acompanhe o papo com Viviana Santiago, pedagoga com mestrado em Gestão de Projetos e Gerente de Gênero e Incidência Política na Plan International Brasil, organização presente em mais de 70 países com foco no desenvolvimento principalmente de jovens e crianças, em especial do gênero feminino. Confira aqui porque não só empreendedores, como também marcas, precisam assistir à série e tirar boas lições de lá:

Consumidor Moderno – Por que é importante contar histórias de sucesso de mulheres negras como a da empreendedora Sarah Breedlove, a Madam C.J. Walker?
Viviana Santiago – Essa é uma pergunta que faz com que a gente mobilize o imaginário que se tem das mulheres negras na sociedade. Se numa mão precisamos denunciar as violações que essas mulheres sofrem no mercado de trabalho (como o silenciamento, por exemplo), na outra precisamos contar que se elas encontram terreno fértil também conseguem prosperar. Ainda que essas histórias tragam muito a narrativa do herói (aquela em que uma pessoa sozinha e graças a habilidades praticamente extraterrenas consegue empreender) é importante contá-las. Eu só teria o cuidado para que não fizéssemos parecer algo tão extraordinário, como se apenas ela, uma personagem como a Madam C.J. Walker, conseguisse. É um exemplo que deixa no ar a provocação: será que se apostarmos em direito básico, pleno, se a gente tirar as barreiras que estão no caminho dessas pessoas não é melhor tanto para elas como para a sociedade inteira também?

CM – Como empresária do ramo da beleza, Sarah Breedlove também ajudou na mobilidade de social de mulheres negras que acabaram trabalhando para a marca criada por ela. Que impacto social isso tem tanto no passado como nos dias de hoje?
VS – Isso melhora a qualidade de vida tanto dessas mulheres quanto de quem depende delas, porque é sabido o quanto elas investem mais seus rendimentos na família, se comparado aos homens. Ao mesmo tempo, faz com que essas mulheres escrevam novas narrativas para si mesmas no momento em que são estimuladas a continuarem se desenvolvendo, estudando e a ocuparem outros lugares na sociedade. De uma perspectiva econômica é muito positivo – porque você tem mais pessoas produzindo, consumindo, mais circulação de dinheiro. Isso não significa, porém, que todas as barreiras foram excluídas e que só a mobilidade social garante que tudo mudou. Porque a gente vê na série – e ela é muito potente nisso – que num contexto de profundo racismo imediatamente após a escravidão, nos Estados Unidos, mulheres e homens negros estudados não estavam em postos de trabalho equivalentes aos estudos que tinham. E isso também é uma lição para os tempos atuais.

CM – Na sua opinião, a trajetória da personagem como empresária traz quais ensinamentos para as marcas hoje?
VS – Quando a gente assiste à série, pensa que está diante de uma mulher muito forte, que tem, principalmente, muita consciência de si, dos efeitos psicossociais de uma dinâmica racista, dos impactos que ela vivencia a cada vez que precisa de um produto que não está disponível para ela. Esse foi o grande diferencial, o grande trunfo: ela conhecer e se importar muito com essa situação. Eu acho que as marcas têm muito a aprender essa mesma lição, pois continuam, em sua maioria, não reconhecendo a diversidade das pessoas, não reconhecendo a diversidade das mulheres, em especial das mulheres negras. Muitas vezes, continuamos com um processo de produção de beleza que é só um ajustamento aos padrões eurocêntricos. Eu gosto muito quando a gente consegue evocar a beleza que está em cada pessoa e, assim, permitir que cada um se perceba em sua plenitude, tirando todo aquele espaço de sofrimento, de tentar caber em algo que você jamais irá caber. E ao mesmo tempo potencializando essa autoestima, essa capacidade de se projetar no mundo através da minha própria auto-aceitação. Eu acho que as marcas precisam entender o seu papel tanto na construção desse lado positivo, como também na construção desse sofrimento, desse não ajustamento presente na vida de muitas mulheres.

CM – A história de Madame C.J. Walker reforça a importância dos ritos de beleza na formação da autoestima e da identidade da mulher, em especial da mulher negra. Avançamos nessa discussão?
VS – Pensar os ritos de beleza desde uma perspectiva de raça e, com foco nos cabelos, é um processo muito potente. Aqui vemos dois movimentos e eles caminham numa mesma linha. Um primeiro é o de domar esse cabelo: arrumá-lo é brigar com ele, alisar, fazer com que pareça adequado – ou seja, com que pareça com o cabelo do branco. Em geral, esse é um momento que une as gerações de mulheres nas famílias, as mais velhas cuidando das mais novas e depois as mais novas cuidando das bem mais velhas. É um espaço de troca, de conversa, ali você toca o cabelo da outra, você se sente perto desta outra. E, ao mesmo tempo, também existe o rito de beleza do trançar o cabelo, do cuidar do cacho, do crespo, de fazer esse cabelo ser bonito sendo como ele é. E que também é um momento de reunião das mulheres, de partilhar de aprender. Os momentos de cuidado dos cabelos entre as mulheres negras são muito potentes, são espaços preciosos, porque muitas vezes só essas mulheres são capazes de entender o que é alguém olhar para o seu cabelo e fazer uma cara feia. É compartilhamento, acolhida, uma metáfora que atravessa todas as outras áreas da sua vida.

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