A campanha de Dia dos Pais da Natura deu uma aula de posicionamento. Para apresentar o tema “Pai Presente”, a marca de cosméticos escolheu 14 nomes, entre eles o transexual Thammy Miranda. A ação gerou muitos comentários nas redes sociais, tanto contra quanto a favor. O ator, inclusive, sofreu vários ataques transfóbicos. Porém, nos dias seguintes à veiculação da campanha, as ações da Natura subiram – em 29 de julho, por exemplo, foi a maior alta da Ibovespa: 6,7%.
Bruno Peres, que foi líder global de inteligência de marketing na sede da ONU em Nova York, afirma que posicionamentos como o da Natura devem ser vistos como uma necessidade pelas empresas. “As marcas fazem parte da sociedade, há bastante tempo elas deixaram de ser apenas rótulos e passaram a ser entidades. A nova geração que cresceu nas mídias digitais, é um público mais inclusivo, que tem uma voz cada vez mais ampla. Esse público já demanda esse novo discurso, mas, o mais importante, espera que ações sejam realizadas.”
Para o especialista, as marcas que não se posicionarem de alguma forma, irão começar a sofrer boicotes. Um exemplo é o que está acontecendo nos EUA. Como consequência do Black Lives Matter e outras ações ativistas, algumas marcas estão deixando de anunciar no Facebook devido ao alto índice de discurso de ódio presente na mídia social. “O Facebook vai ter impacto de bilhões, quem sabe isso não gere uma mudança na plataforma”, diz Peres.
As consequências do posicionamento para a marca
No caso da Natura, a alta das ações na bolsa pode ter sido uma consequência do aumento do brand equity (valor da marca). Bruno explica que isso tem a ver com a percepção dos investidores de um crescimento nas vendas a médio e longo prazo. “Ao conseguir comunicar bem algo tão atual, a marca mostra que está à frente do seu tempo e já conversa com a geração dos novos consumidores em alta escala. Também passa a mensagem de que está preparada para adversidades e para agir em qualquer momento.”
Além disso, ao ser inclusiva e pluricultural, a marca se comunica com todos os públicos, não apenas com as minorias. Na visão financeira da análise de marketing, isso traz menos impactos mercadológicos, de produção, atendimento, distribuição, etc. Em outras palavras, torna todo o processo mais saudável.
Sem contar que, quando o posicionamento é feito da forma correta, há uma amplificação dos esforços de comunicação. Com a mídia ganha, novos seguidores da marca aparecem. Isso aumenta as chances de fidelizar um cliente, o que, para a marca, é uma economia duas vezes maior do que conquistar um novo.
“Mesmo quando acontecem ataques de lados conservadores, que são cada vez menores, o balanço final do ativismo costuma ser positivo. Ao contrário das gerações mais antigas, digamos assim, que tendem a ter a fidelização atrelada a qualidade do produto, as novas gerações precisam que outras necessidades do fluxo sejam resolvidas, como as ações da marca”, explica Peres. “Não podemos mudar nossas campanhas porque talvez alguns clientes mais conservadores não as aceitem. O caminho é manter algo coeso para todo mundo”, acrescenta.
Posicionamento além das campanhas
Para que todas as consequências positivas do posicionamento de uma marca aconteçam, o discurso precisa ir além da publicidade. A marca deve ter a mesma postura em todos os seus processos, desde a construção da equipe (com diversidade e igualdade de gênero), até na forma da venda e do atendimento.
“A campanha da Natura teve o resultado positivo que vimos porque a inclusão faz parte da veia administrativa. A Natura tem produtos de inclusão, campanhas dentro do seu quadro. Não adianta uma marca querer surfar a onda sem antes se resolver internamente. Com a campanha, podem vir à tona problemas estruturais, como processos trabalhistas por assédio moral. Se o conteúdo viraliza de forma negativa, o problema é grande”, afirma o especialista.
Dessa forma, o mais importante em todo o processo de posicionamento de uma marca é a transparência. Uma campanha feita apenas para agradar pode soar como algo mentiroso, e não existe mais espaço para mentira.
Adotar novas políticas e investir em práticas concretas a médio e longo prazo é uma necessidade atual das marcas. A geração atual e as outras que estão por vir irão demandar cada vez mais posicionamento e ativismo.