Em um ano tomado por tantas mudanças profundas, a questão racial da luta contra o preconceito ganhou espaço – a um custo duríssimo, é verdade – que não irá perder tão cedo. E nem deve. O movimento Black Lives Matter reacendeu as marchas antirracistas nos Estados Unidos e, com isso, no mundo todo, inclusive no Brasil. Também fez mais do que colocar o assunto de volta à pauta prioritária de discussões seja no ambiente político, no dia a dia comum e, claro, dentro das empresas.
O ato concreto mais recente que prova como essa mudança veio para ficar é a escolha de Kamala Harris, senadora do estado da Califórnia, para ser a vice-presidente do candidato democrata Joe Biden na corrida à Casa Branca. A eleição que acontece no próximo mês de novembro será ainda mais determinante para o futuro da nação norte-americana (e para todo o planeta) do que aquela ocorrida em 2016. Kamala nasceu nos Estados Unidos, mas tem ascendência indiana e jamaicana. É considerada uma progressista moderada, de bastante prestígio entre seus pares, e uma crítica às políticas públicas que não colocam a luta racial em primeiro plano. É a primeira mulher negra a concorrer ao posto na História americana.
Enquanto essa definição se dava na cúpula de um dos partidos da maior potência econômica mundial, no âmbito corporativo o turbilhão causado pelo movimento BLM chegou com força. Jornais, revistas e os mais variados tipos de empresas foram acusados ou de simplesmente ignorar a questão racial em suas equipes de trabalho, ou de exercer uma espécie de “teto de vidro” que mantém funcionários negros no time, mas sem nunca promovê-los a cargos de liderança ou de visibilidade. A famosíssima (e milionária) rede de co-workings The Wing, com filiais em vários estados norte-americanos e até em Londres, foi uma das que perdeu praticamente toda a sua credibilidade após denúncias como essas. Focada em receber apenas mulheres em suas instalações, o The Wing era o sonho de consumo de muita gente. Hoje, para além da pandemia que fechou as portas das unidades por tempo indeterminado, suas sócias enfrentam uma enxurrada tão grande de críticas que acabaram silenciadas nas redes sociais. O negócio naufragou.
No Brasil, pela primeira vez em 52 anos (isso mesmo, em mais de meio século) uma mulher negra estampou a capa da revista “Exame”, uma das publicações de business mais importantes do país. Maitê Lourenço, psicóloga de formação, hoje é dona de uma startup que criou uma plataforma online de gestão de carreira. Ela é um dos destaques da reportagem que discutia igualdade de gênero diante do caos da pandemia. A publicação ganhou bastante destaque, mas causa mal-estar saber que se demorou tanto tempo para se chegar a um fato como esse. Recentemente também, Fernanda Diamant, curadora da FLIP (a Feira Literária Internacional de Paraty) pediu demissão informando que em seu lugar deveria estar agora uma mulher negra: “Ao longo de 18 anos, a curadoria da Flip jamais foi ocupada por uma pessoa negra. Passou da hora disso mudar”, disse ela sobre sua decisão em nota publicada pela imprensa.
Como se vê, é possível listar mais e mais provas de que este é o tema do momento. E para ajudar numa compreensão mais abrangente, profunda e correta desse cenário, aqui vão cinco livros para se construir uma biblioteca antirracista dentro de cada empresa. A fonte é uma das mais qualificadas: as sugestões vêm de Viviana Santiago, pedagoga e Gerente de Gênero e Incidência Política Plan International Brasil. De seu vasto repertório cultural, Viviana listou obras essenciais para esta coluna. Aqui vai o top 5. Não há mais desculpas para ficar de fora dessa conversa.
“TORNAR-SE NEGRO” (Ed. LeeBooks)
Escrito psiquiatra, psicanalista e escritora negra Neusa Santos, não é uma leitura fácil, mas é uma obra de referência para se entender a questão racial no Brasil. Editorialmente, Neusa escolhe abordar também a auto rejeição de quem é negro como é importante alcançar uma autoconsciência sobre o assunto. “É um livro denso e para as pessoas negras leva a uma jornada interior das mais profundas. Um fato é que ninguém sai igual dessa leitura”, diz Viviana Santiago.
“AMERICANAH” (Ed. Cia das Letras)
Esta é uma das obras da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma das autoras mais bem-sucedidas dos últimos anos. Está naquela lista de livros considerados “leitura obrigatória”, segundo Viviana. “É um livro leve, um ‘romanção’, mas que dá muitas pistas para pensar a presença negra na diáspora e a relação com a África”. Chimamanda é ativa nas redes sociais, já foi capa de diversas revistas mundo afora e teve frases escritas por ela expostas em um clipe de Beyoncé. Ou seja, ela é bastante acessível.
SOCIOLOGIA DO NEGRO BRASILEIRO (Ed. Editora Perspectiva S.A)
Mais uma obra estrutural, segundo Viviana Santiago, que precisa existir para se entender o contexto mais amplo da questão racial no Brasil. De autoria de Clóvis Moura, que escreve de maneira anti-acadêmica para alcançar ainda mais público e para mostrar como racismo e uma visão autoritária de mundo estão intimamente ligadas. “Quer uma outra visão, uma necessária visão sobre a presença negra na História do Brasil? Clóvis Moura seguramente é uma leitura que te proporcionará isso”, diz a pedagoga.
VENTRE LIVRE, MÃE ESCRAVA (Editora Universitária)
Que precisamos olhar para o período da escravidão no Brasil para se entender o país em que vivemos agora, não há mais dúvida, certo? Pois este livro aponta um caminho. De autoria de Sylvana Brandão, uma estudiosa de currículo tão robusto, que para citar apenas algumas de suas qualificações basta dizer que ela tem pós-doutorado em Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está cursando outro pós-doutorado em Ciências da Religião na PUC, de Minas Gerais, e já é doutora em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Já parou para pensar no que de fato significa libertar a parte do corpo de uma pessoa? O que de fato libertou a Lei do Ventre Livre? Se a mãe era escravizada o que aconteceu com as crianças? Sylvana Brandão traz essa perspectiva histórica numa análise da lei e suas implicações”, explica Viviana.
“RACISMO, SEXISMO E DESIGUALDADE NO BRASIL”, (Ed. Selo Negro)
A filósofa e escritora Sueli Carneiro é uma das estudiosas mais completas no tema do racismo que o Brasil possui, tendo influenciado, inclusive, o trabalho de Angela Davis, um dos maiores ícones do ativismo antirracisa dos Estados Unidos. “Trata-se de uma incrível oportunidade de acessar a memória da luta antirracista e um retrato da sociedade brasileira de 1990 a 2010”, diz a pedagoga. Essa coletânea é de fácil leitura e reúne as principais publicações de Sueli Carneiro para veículos da imprensa brasileira.
As piores falhas de marcas da década
Cinco insights profissionais presentes no documentário de Michelle Obama