No mundo todo a gestão empresarial se encaminha para um modelo guiado por dados ou, data-driven, em inglês. No Brasil não é diferente, embora o mercado seja bastante heterogêneo e inclua de grandes empresas que já trabalham com big data até as que ainda estão começando a entender a importância de construir seu próprio banco de dados. Mas, lidar com o grande volume de informações que é gerado diariamente na jornada do consumidor pode ser um processo delicado e que requer cuidado.
A edição de 2021 do relatório Top Emerging Risks, elaborado pelo ACI Institute Brasil e o Board Leadership Center da KPMG, aponta o data-driven market como um caminho sem volta que representa um risco emergente para as empresas.
Segundo o documento, a prática da análise de dados permitiu que muitas empresas oferecessem experiências personalizadas para seus clientes e esses consumidores, que se acostumaram com essa evolução, agora exigem uma melhora cada vez maior das marcas com as quais se relacionam.
Assim, as empresas precisam lidar com uma quantidade crescente de dados para garantir a melhora contínua da jornada do cliente, mas fazer isso de forma transparente, gerando para o consumidor uma sensação de segurança. Afinal, ele está permitindo que suas informações pessoais sejam analisadas.
Ao mesmo tempo, as organizações não podem cair na armadilha de acreditar que a tecnologia é a única responsável pelo sucesso do data-driven market. É preciso lembrar que por trás dos números estão seres humanos.
Humanizar o data-driven market: eis a questão
Em seu último livro, Marketing 5.0, ainda não lançado no Brasil, Philip Kotler, o nome mais importante do marketing mundial, aborda justamente a relação entre tecnologia e humanidade. Segundo Kotler, apesar da discussão tecnológica ser cada vez mais profunda, o foco deve ser sempre o ser humano.
Deste modo, o grande desafio de toda ação de marketing, de acordo com o autor, é utilizar a tecnologia para criar, comunicar, entregar e potencializar valor durante a jornada do consumidor.
“O objetivo é criar uma nova experiência para o cliente que seja sem atritos e atraente”, escreve Kotler, para quem as empresas precisam criar uma “simbiose equilibrada” entre a inteligência humana e a computacional. Como isso é possível?
Na opinião de Tarcísio Bannwart, criador da plataforma Trade Marketing Force, de gestão de trade marketing, é preciso ter em mente que dados estão diretamente ligados a comportamentos e não são apenas números.
“Por mais que lidar com dados seja ‘analítico e matemático’, o processo traz consigo uma dose de subjetividade e grande parte da humanização está na interpretação dela”, diz.
Ele lembra que tudo começa com uma pessoa dizendo o que a máquina deve fazer. “A Inteligência Artificial vai dizer ‘sim’, ‘não’ ou ‘talvez’, mas só porque alguém vai programá-la para isso”, afirma. Assim, o processo de pensar a coleta de dados começa com o desejo de mapear as ações de um perfil específico e transformá-las em números e termina com alguém interpretando o resultado obtido por um viés comportamental.
Para Tarcísio Bannwart o olhar humano é fundamental para identificar peculiaridades, fazer ponderações e obter insights das informações. “Os programas aceleram os processos, mas só quem pode extrair uma solução dos dados e criar a partir dela ações que melhorem a vida do consumidor é uma pessoa”, aponta.
Garantir a segurança é fundamental
A necessidade de humanização não está apenas no processo de olhar para as informações coletadas, mas também na hora de pedi-las para os consumidores. Os recentes casos de vazamentos de dados no Brasil têm chamado atenção e deixado muita gente em alerta e as empresas precisam ser rápidas para mostrar que tratam a questão com seriedade.
Tarcísio Bannwart acredita que a LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, chegou em boa hora e vai fazer com que as organizações se preparem para lidar com dados com segurança, mesmo que forçadamente.
A chave para a questão, na opinião do empreendedor, é a forma como a empresa se comunica com seu cliente e como pede para utilizar seus dados. “Pedir dados é necessário, mas é preciso fazer isso com equilíbrio e não pedir mais do que será utilizado”, ensina.
Segundo Tarcísio Bannwart, nos casos nos quais a empresa não precisa saber exatamente quem é a pessoa, por exemplo, mas obter apenas informações sobre gênero, idade e hábitos de compra, é desnecessário solicitar número de documento, telefone, etc.
Por outro lado, empresas que buscam tornar a jornada do cliente extremamente personalizadas e para isso precisam de muitos dados sobre ele devem ser totalmente claras sobre o uso que farão das informações. Uma vez que o cliente entende que seus dados transformarão seu processo de compra em algo mais fácil, rápido e agradável e ele, efetivamente, sente isso na prática, sua confiança de consolida.
Um case de sucesso no mercado brasileiro é o aplicativo Pão de Açúcar Mais, do Grupo Pão de Açúcar. O app foi lançado em 2017 como uma evolução do programa de fidelidade da rede de supermercados, mas logo deixou de oferecer apenas descontos para se tornar uma ferramenta que, entre outras funcionalidades, customiza ofertas a partir da análise dos hábitos de consumo do cliente.
Na hora de mostrar que lida com os dados dos clientes com cuidado, os certificados de segurança são atestados importantes, mas mais relevantes do que que eles, é a transparência. “Existem vazamentos de dados que acontecem por manipulação humana, falhas de segurança que não estão relacionadas com o sistema ou com tecnologia”, ressalta Tarcísio Bannwart.
As empresas precisam criar protocolos de segurança internos que permitam a elas garantir a proteção das informações dos clientes e dizer publicamente, em seu espaço físico ou virtual, como esses dados são utilizados.
A LGPD garante ao consumidor o direito de revogar a qualquer momento a permissão de uso dos seus dados, bem como saber onde foram (ou estão sendo) utilizados. Ou seja, a disputa pela confiança do cliente será diária de agora em diante. E só vai conquistá-la a empresa que possuir uma visão humanizada sobre as informações.
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