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Você consome “pessoas” como consome produtos?

Você consome “pessoas” como consome produtos?

O consumismo, os aplicativos de relacionamento e a velocidade nas relações têm deixado as pessoas à beira de um verdadeiro burnout emocional

Nos últimos tempos, fala-se muito sobre exaustão mental e física com grande atenção para a questão da pandemia, certo? No entanto, há ainda mais desgaste e cansaço nesse caldo existencial que a chegada da Covid-19 fez questão de entornar sobre o nosso dia a dia, fazendo a gente perceber que, muitas vezes, estava mesmo é no piloto automático. Um deles é o que vem sendo chamado de “aplicativização das pessoas”. Outro é o termo “burnout emocional”. Em comum, os dois tratam da forma como o alguns processos de relacionamento interpessoal se transformaram em processos de consumo do outro, do ser humano.

Pode parecer difícil de compreender em um primeiro momento, mas pense na lógica do uso dos aplicativos de paquera, por exemplo: a cada perfil passado, não parece que você está olhando um produto disposto em uma prateleira?

“Pensando a respeito dos relacionamentos hoje, me ocorre muito o que Byung-Chul Han, um filósofo sul-coreano, fala sobre a era do desempenho, da performance. É um mundo em que a produtividade está acima de qualquer coisa. E nesse lugar, as relações afetivas acabam caindo para dentro da esfera do mercado”, explica Renato Noguera, professor, pesquisador e filósofo, Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele também é autor de diversos livros que abordam as relações interpessoais, entre eles “Por que Amamos? – O Que os Mitos e a Filosofia Têm a Dizer Sobre o Amor”.

Leia também: Novo FOMO: conheça a versão do medo no pós-pandemia 

Renato conversou com a Consumidor Moderno para ajudar a entender porque andamos com essa sensação de esgotamento também na área emocional. “Talvez o que caracteriza o nosso tempo, as sociedades contemporâneas, principalmente no eixo da cultura ocidental capitalista, é a transformação de todas as relações em ativos de mercado. À medida que estabelecemos nossos relacionamentos com a vida em todas as instâncias e dimensões (trabalho, espiritualidade, família) a partir de uma relação de consumo, então o consumo passa a ser a chave de todos os relacionamentos”, explica.

“Isso se dá dentre outras coisas por conta de uma compreensão, do que se pode chamar de ‘mercadocentrismo’: em algum momento da História da humanidade deixamos de ser teocêntricos, passamos a ser antropocêntricos e, hoje, o mercado é o centro gravitacional das nossas vidas. Nesse sentido os relacionamentos amorosos não escapam”, completa Noguera.

O outro lado do Tinder

O pesquisador e filósofo explica que esse cansaço ou essa sensação de não pertencimento ou não-preenchimento se explica porque, no caso do relacionamento amoroso, especificamente, seu caráter é de “processo” e não de “produto”: “Mal comparando, digo que o que é próprio da vida, de um filme, de um romance interessante são justamente as ocorrências inesperadas. A gente não controla as coisas o tempo todo. E há uma vontade total de controle agora, neste momento em que vivemos”, explica.

O uso dos chamados apps de paquera é mais um elemento nessa tese de “consumo de pessoas” e serve como um bom exemplo. Eles funcionam com uma oferta quase infinita de possibilidades de conhecer/consumir o outro. Mas o estresse em torno desses contatos já se tornou tanto que a maioria dos encontros jamais se concretiza.

Atualmente, muitas pessoas colecionam “matches” ao invés de contatos cara a cara: “À primeira vista, é importante dizer que nós precisamos pensar nessa aplicativização para além do discurso moral. O que ocorre é que o aplicativo viabiliza um tipo de edição de si, de edição da imagem, de capitulação, de articulação com a fantasia”, explica Renato. “Uma das imagens mais recorrentes quando falamos de amor no mundo contemporâneo, principalmente no que nos convencionamos chamar de cultura ocidental, é uma experiência da fantasia, que acaba se opondo aquilo que a gente pode chamar de vivência da intimidade. Isso criaria um problema porque os aplicativos permitem que a gente opere no registro da fantasia, à medida que a gente pode editar a nossa imagem, o nosso desejo e essas edições são uma maneira de que a nossa humanidade não esteja integralmente no encontro”, explica.

Parafraseando o pesquisador: “A gente tenta mostrar aquilo que é melhor ou editar aquilo que pode agradar o outro, fazer um tipo de articulação que envolve descobrir o que pode agradar e buscar apenas aquilo que nos agrada – o que é uma certa maneira de proteção também. Ou seja, no relacionamento, o que é próprio da arte de amar é justamente a possibilidade de encontro com o inesperado”, enfatiza. E é bem isso que não está acontecendo.

Burnout emocional

Engana-se, porém, quem pensa que as pessoas não querem se relacionar. A pergunta que fica, então, é a seguinte: estamos perdidos nessa questão com tantas informações e relações vinculadas ao digital? Na opinião do filósofo, esse “burnout emocional” (termo que surge emprestado do burnout relacionado à carreira) pode acontecer por um desequilíbrio.

“Estamos em estresse emocional não por falta de afetos, mas por um desequilíbrio afetivo. É como tenho chamado nos meus textos, em algumas pesquisas e estudos. Sentimentos e emoções fazem parte da vida. A raiva, por exemplo, faz parte da vida, não deve ser evitada. A questão é como lidamos com ela. Todos os sentimentos acontecem, o problema é a maneira como estamos implodindo ou explodindo afetivamente, como eu chamo”, afirma.

O que ele quer dizer é que há toda uma geração vivendo agora de forma a represar seus sentimentos, principalmente os considerados sombrios ou não tão bons, e que resiste a acessar o que ele chama de “nossa humanidade”: “Dessa forma, fica difícil ter espaço para a dificuldade, o erro, os sentimentos que apontamos como se fossem vilões. Voltando ao exemplo da raiva, ela é algo natural. A questão é como lidar, ela não precisa se transformar em violência, em agressão, autodestruição ou choque com outras pessoas. A gente precisa aprender a lidar com os limites, as barreiras, de modo a acessar nossa humanidade. Sem isso, é como se a gente ficasse cada vez mais desumanizado. Ou porque temos que ser pessoas perfeitas. Ou porque fomos coidificados como produtos”.

Impacto da pandemia

Muito se falou sobre o resultado da contaminação de Covid-19 nos relacionamentos e ainda se está avaliando, mundo afora, o resultado das restrições de mobilidade e de contato social entre as pessoas. O que já se sabe é que houve um boom em conexões realizadas via apps de paquera, mas isso não significa, necessariamente, que tenhamos avançado nessa maneira de estar com o outro dentro da lógica de alto desempenho já comentada por Renato Noguera acima.

“Os aplicativos – essa é uma hipótese –  favorecem a edição da fantasia. E a fantasia, na nossa cultura, tem operado em oposição à intimidade. A intimidade é o ‘segredo’, uma das chaves para que a gente possa estabelecer um relacionamento amoroso satisfatório, com bem-estar”, afirma ele.

“Já a respeito da pandemia, é cedo ainda para dizer sobre todos os seus impactos. À primeira vista, não tenho dúvidas de que ela modifica, sim, parte das nossas relações. Estamos isolados, mais distantes de alguns parentes e pessoas amigas por questões de segurança, é uma crise sanitária de caráter mundial. O que acontece é que a gente vai ter que modular, fazer novas modulações da nossa vida emocional, dos nossos relacionamentos. Um impacto possível é que a gente possa aprender a valorizar um pouco mais os encontros presenciais, físicos. Que eles possam ser celebrados de uma outra maneira, com mais atenção”, afirma o especialista.

Afinal, por que amamos?

Em um de seus livros mais conhecidos, Renato Noguera pretende, justamente, identificar esse “mistério” e nos ajudar a entender como lidar melhor com o sentimento perseguido por todos, mas acessado por poucos. Principalmente em tempos de aplicativização das pessoas combinada a distanciamento social e crise na saúde mental.

“O livro é um conjunto de ensaios nos quais procuro trazer narrativas que refletem e apresentam muito do inconsciente da humanidade (nossas virtudes, dificuldades, conflitos, aproximações). Faço isso através da análise de mitos, que são narrativas ancestrais sobre quem somos”, explica ele.

Através de um mergulho nas histórias de parceiros mitológicos “famosos” como Adão e Eva, Romeu e Julieta, ou narrativas consagradas como as “1001 Noites” ou “Otelo”, de Shakespeare, o pesquisador e filósofo apresenta suas respostas para essa pergunta. Quer um spoiler? A teoria construída por ele passa bem longe do senso comum e pode ser, sim, uma maneira de entender melhor como nos relacionamos com o outro sem tratá-lo como um produto em promoção no supermercado.


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