A importância da saúde digital veio com a pandemia. Ainda que tenha se esboçado com uma lei aprovada em 2012 e revogada em 2018, foi em 2020 que ela entrou no debate e passou a ser formulada às pressas. Em um tempo curto, criou-se um grande mercado no País com serviços online de medicina, além do crescente papel do Tele SUS. O crescimento de healthtechs foi de 150% entre 2019 e 2020.
Mas a regulamentação ainda está por ser definida. Pensando nisso, a Consumidor Moderno promoveu um webinar para discutir o tema. Sob o tema “A jornada digital da saúde. De que forma ela pode beneficiar realmente o consumidor?”, o head do portal O Consumerista e editor de relações de consumo e economia da Consumidor Moderno, Ivan Ventura, esteve com o professor da UERJ e ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos estratégicos do Ministério da Saúde na gestão Nelson Teich, Denizar Vianna, e a gerente de gestão de tecnologias e informações clínicas da UnitedHealth Group Brasil, Camila Botti.
Confira os principais tópicos explorados pelos especialistas sobre as correntes e iminentes oportunidades e desafios à saúde digital no Brasil.
O despertar da pandemia e resoluções à média complexidade
Foi preciso ser rápido e criativo com o despertar da pandemia. Com as orientações de isolamento social, médicas e médicos ficaram ociosos enquanto pacientes cancelavam consultas por segurança. “Mas, em cinco dias, desenvolvemos a teleconsulta e a adesão foi muito grande dos dois lados”, lembra Camila Botti. “Hoje, mais de 50% do atendimento é de pessoas repetindo o procedimento — o que mostra que a adesão foi satisfatória. Fazemos mais de 3 mil consultas por dia, incluindo um pronto atendimento de telemedicina para evitar que as pessoas se colocassem em risco no atendimento presencial indo ao hospital”, conta a doutora, frisando que cerca de 4 a 5% dos casos levam ao pronto socorro.
Botti frisa que, do início da pandemia para cá, a UnitedHealth também passou a oferecer dezenas de consultas eletivas, além de médicas e médicos generalistas como porta de entrada para exames e as especializações que os pacientes possam precisar. “Temos oferecido um atendimento de qualidade e seguro, em um modelo saudável ao sistema de saúde”, frisa a especialista.
Para Denizar Vianna, os comentários de Botti têm a ver com resoluções à média complexidade do sistema público. “Nada melhor que uma crise para trazer soluções mais imediatas. A ideia inicial foi exatamente ter a telemedicina na linha de frente”, recorda o médico sobre seu tempo no Ministério da Saúde. “A grande oportunidade da telemedicina é na média complexidade. Ela é a chegada dos especialistas. O SUS é um grande gargalo e o paciente não tem um especialista. Assim, os mais de 5 mil municípios começam a ter especialistas para as pessoas”, diz o especialista em políticas públicas de saúde.
Sobre a questão da qualidade do atendimento, Vianna acredita que telemedicina “virou commodity” e que por isso tem a oportunidade e o desafio de medir a satisfação do consumidor. “O consumidor final tem que perceber que isso é uma ferramenta que dá acesso, mas não é só isso. Tem que ter qualidade, protocolos, encaminhamentos depois do diagnóstico. Não adianta apenas ter telemedicina a R$ 10.”
A primeira consulta
Entre as expectativas sobre a regulamentação da telemedicina no Brasil, há a possibilidade de se definir a primeira consulta como presencial, dada a importância da construção da relação médico-paciente.
Botti frisa que a alternativa digital tem se mostrado eficiente e eficaz já na primeira consulta online, apontando benefícios e desafios no atendimento médico virtual. “Às vezes, no consultório, vejo que o paciente precisa ir a um pronto-socorro. Na telemedicina também é possível respeitar esses limites. Há outra questão que é a da restrição geográfica levantada por alguns conselhos de medicina. Uma coisa que a telemedicina trouxe foi o acesso a especialistas. Ela tem um princípio muito importante de acesso, e essa questão regional pode complicar isso. Hoje, temos profissionais fora do Brasil em atendimento”, lembra a especialista.
Vianna reconhece a importância de uma primeira consulta presencial para a relação médico-paciente, mas questiona o que é possível no Brasil. “Será que temos esse cenário para o Brasil, de maneira geral? Em locais muito remotos não há esse acesso. Concordo do ponto de vista individual. O vínculo é estabelecido, e facilita a orientação de mudanças ao longo do tratamento”, pondera o professor, ressaltando mais uma vez a importância da telemedicina para melhorar a percepção do paciente sobre a qualidade do serviço.
Necessidade de treinamento
Do ponto de vista da precisão na avaliação da saúde do paciente, pode a telemedicina como abordagem sistemática deixar que sintomas passem batido? Botti esclarece que por mais que já tenhamos certos exames físicos como de ouvido e garganta feitos remotamente, é possível e necessário treinar o profissional para o atendimento online. “Há técnicas que o profissional pode não conhecer, como contagem da respiração, por exemplo. É preciso, além da parte do equipamento, o treinamento”, reforça a doutora.
Vianna lembra que em seu período no governo, médicos percebiam sintomas como dificuldade de respiração só de falar ao telefone com os pacientes durante a pandemia.
Conveniência ao profissional e inteligência ao sistema
A telemedicina tem grande impacto no modelo de trabalho dos profissionais de saúde — e, por conseguinte, no sistema de saúde como um todo. “A possibilidade de trabalhar de casa trouxe benefícios à carga horária, e isso contribui para a organização do sistema de saúde em quatro pilares: acesso, integralidade (oferta maximizada de especialistas e exames), coordenação do cuidado (acesso a dados) e a continuidade do cuidado“, aponta Botti.
Outra conveniência apontada por ela é a facilitação no acesso aos dados do paciente. Nesse ponto, Vianna reforça a importância da telemedicina e saúde digital à inteligência do sistema público. “O Ministério da Saúde tem mais de 400 bases de dado que não se comunicam. É preciso investir em intercomunicação. Se você já tem uma forma de conexão que transita imagem e dado, ao falar com o paciente não é tão necessária à coleta quando no presencial. Normalmente ela é sumarizada. E por que antes o prontuário eletrônico não funcionava bem? Porque precisava estar centrado no paciente e ter a portabilidade. A plataforma digital cria a oportunidade de integrar as coisas no sistema público e o paciente não ficar tão solto, como é o desafio hoje”, explica.
Acesso à informação
Outro ponto favorável que a telemedicina traz ao sistema de saúde é o consumidor no centro da discussão sobre a lei de acesso à informação. Botti observa que, ao ter consciência da importância que as informações têm para seu atendimento, o paciente passa a se interessar mais e interagir melhor com as tecnologias.
“A telemedicina é um pedaço da digitalização. Os programas de apps e sites estão sendo digitalizados para o paciente ter acesso a informações. Ao colocar os dados ali, ele passa a ter e dar acesso a conteúdo. Essa experiência é fundamental para criar o vínculo e a confiança. E por isso, temos trabalho com inteligência para alertar o próprio paciente sobre suas condições”, diz Botti.
Do ponto de vista das políticas voltadas à saúde, Vianna entende que a LGPD trouxe avanços, mas é preciso ter a garantia de análise de forma anônima. “As informações que a gente quer é o conjunto de dados na mão, como quais os fatores foram determinantes ao adoecimento, etc. Se a gente continuar tendo esse equilíbrio, vai ser um avanço.”
Motivadores para saúde e apps de exame
A saúde digital tem oferecido cada vez mais serviços médicos de uso imediato e individual, como aplicativos para medir a pressão e contador de passos. Botti chama a atenção para fazer uma distinção sobre o que é oferecido no mercado. “Eles trazem coisas boas, mas algumas soluções precisam ser vistas com mais cautela, como a de exames de sangue apenas analisando o rosto. Quanto aos apps que promovem bem-estar, acho válido.”
Vianna enfatiza que, mais difícil que ter os aplicativos motivadores, é a real motivação. “Quem procura baixá-los já está com a atenção voltada a isso, mas o grande desafio é mudar o hábito. Talvez a tecnologia traga esse apelo motivacional e ajude a formar grupos para exercitar. Mas a grande mudança de hábito alimentar e exercícios é a escola”, lembra o formulador de políticas públicas à saúde.
O futuro da saúde
Quanto ao futuro da saúde com todo esse processo de digitalização e mudanças de cultura, Botti aponta para a robótica como uma fonte de inovação que tende a ajudar a medicina no futuro próximo. Já Vianna questiona a humanização do atendimento, frisando que o Brasil pode aproveitar seu diferencial de trato mais caloroso. “A gente tem um contexto importante comparado aos países nórdicos, por exemplo, que são mais frios nas relações.”
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