Falar sobre defesa do consumidor é algo muito necessário, mas, é preciso admitir, de difícil entendimento e acesso. Não à toa, muitas pessoas sequer têm consciência de seus direitos enquanto consumidoras e, muitas vezes, também não sabem a quais órgãos recorrer na hora de um eventual fricção com uma empresa prestadora de serviços ou varejista. É o tal problema do “juridiquês”: uma linguagem muito rebuscada que, na esmagadora parte das vezes, só compreende quem estuda a área da Justiça.
Ainda que essa dificuldade seja fato e que o Código de Defesa do Consumidor seja difícil de entender, mas esteja aí para garantir que os direitos dessas pessoas sejam assegurados, é uma verdade também que há muitas pessoas trabalhando para entregar um Direito do Consumidor mais acessível. E, na era da digitalização e dos famosos “vídeozinhos”, um dos canais que tem entregado muito conteúdo de qualidade sobre esse tema é justamente o TikTok.
@afadinhadoconsumidor ✨🧚🏻♀️
É o caso dos influenciadores e advogados Kessya Jackelynne (Fadinha do Consumidor) e Francisco Rabello (Doutor Fran), que produzem conteúdo em vídeo para facilitar a vida do consumidor e auxiliá-lo no caminho para entender e lutar por seus direitos. Os vídeos chegam a milhares de brasileiros e conquistam pela informação bem apurada: casos do dia a dia explicados com muita didática sobre o que fazer em situações abusivas com o consumidor.
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Quando um vídeo muda a noção dos direitos do consumidor
@doutorfran Direito de arrependimento para compras feitas pela Internet ou por telefone! Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor #AprendaNoTikTok #EuTeEnsino #doutorfran #loja #lojaonline #compras #comprasonline ♬ som original – Francisco Rabello
“Esse perfil mostra um monte de coisa legal que a gente nem sabia”, escreve a internauta Diny Albuquerque no comentário de um dos mais virais vídeos da Fadinha do Consumidor dentro do TikTok. “Olha aqui que legal, ela fala sobre as leis do consumidor”, escreve outra usuária. E esse é um dos momentos que a Kessya mais gosta: saber que seu trabalho está gerando frutos e ajudando quem mais precisa.
“Eu recebo diariamente o feedback do meu público, de pessoas que falaram que usaram as dicas que eu deixei, defenderam os seus direitos. De gente que me fala que eu salvei o momento dela, é muito bom ouvir isso”, explica ela em entrevista exclusiva à Consumidor Moderno.
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A advogada começou a produzir os vídeos sobre Direito em maio de 2021, no Instagram, e logo migrou os conteúdos para outras redes de vídeo, como o TikTok e o Kwai. Até então, coleciona mais de um milhão de seguidores. “Depois que eu peguei o ‘feeling’ da coisa, que eu criei a minha personagem, que eu fui entender como era o formato de conteúdo que meu público gostava, aí sim eu comecei a ter mais engajamento. Foi o momento em que eu deixei os vídeos mais humanizados, me coloquei no lugar do consumidor que teve o seu direito violado e passa por isso constantemente, me coloquei como fada, como a pessoa que vem para resolver esses problemas”, conta.
O mesmo ocorreu com Francisco Rabello, o Doutor Fran, que já possui mais um milhão de seguidores somente no TikTok. Um de seus vídeos mais curtidos, com mais de 3,4 milhões de visualizações, fala justamente sobre uma prática abusiva muito comum em restaurantes: a taxa de desperdício. Ele começou também pelo Instagram em julho de 2020, após ser desligado da empresa em que trabalhava.
“Eu era advogado de empresa, do meio corporativo. Quando veio a pandemia, acabei sendo desligado e comecei a procurar emprego com pessoas conhecidas, mas não estava simples e eu acabei tendo uma entrevista no interior de São Paulo, em Taubaté, e voltando ouvi um podcast de um cara falando ‘ah, eu faço conteúdo na internet. É assim que consigo visibilidade, as pessoas me conhecem e, quando precisam de um advogado, eu estou por ali’. Foi aí que eu pensei: ‘está aí, vou fazer algo similar a isso'”, explica.
Ele destaca, ainda, que no início tinha um certo distanciamento do TikTok. “Uma pessoa me disse que eu deveria migrar meu conteúdo para o TikTok, mas achava que era plataforma de dancinhas, de música, nada a ver comigo. Depois, vi que tinha uma brecha e, no fim, deu certo. Hoje eu tenho 1 milhão de seguidores basicamente fazendo esse conteúdo mais leve, com um certo humor, dentro de um tema mais complexo de Direito do Consumidor”, completa ele.
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“Juridiquês” à parte: do alto linguajar à informação acessível
@doutorfran Restaurantes e rodízio podem cobrar taxa de desperdício? Não! Artigo 39, inciso V do CDC. #direito #advogado #restaurante #comida #NovoNegocio #EuTeEnsino #AprendaNoTikTok ♬ som original – Francisco Rabello
Para a Fadinha do Consumidor, um dos pontos de destaque foi, justamente, encontrar um nome com o qual ela pudesse se conectar com o público. “A Fada surgiu em um momento no qual eu pensei em criar um nome fictício para mim, porque o meu nome (Késsya) não é muito fácil de memorizar e escrever”, explica. “Tem também muito a ver com a conexão, porque quando eu me chamava de ‘doutora’, o público não gostava muito. E a fadinha é muito mais acessível, tem vários bordões que ficam na cabeça. Eu fiz tudo para ficar bem original, bem criativo e virou algo muito acessível também”, complementa.
O Doutor Fran, por outro lado, foi mais pelo caminho de encenar situações cotidianas nos quais o próprio consumidor é empoderado para resolver seus problemas, porque conhece as leis. E é esse, de acordo com ele, um dos principais objetivos do canal.
“Desde que eu comecei a produzir eu tive uma preocupação muito forte. Eu não posso falar como eu falo na academia, no Tribunal, com pessoas que também são da área do Direito. Primeiro porque as pessoas não vão entender, segundo que seria um conteúdo extremamente chato. O meu principal objetivo era fazer um conteúdo simples de entender”, argumenta o advogado. “Eu não queria falar com juiz, com advogado. Estou falando com quem realmente precisa ouvir e essas pessoas precisam de uma linguagem simples, para falar com quem de fato não tem acesso a esse tipo de informação”, completa.
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Por incrível que pareça, foi justamente esse linguajar facilitado, engraçado e acessível que levou ambos os advogados a prosperarem suas carreiras. Kessya conta que a Fadinha do Consumidor acabou mudando tudo na forma como ela fazia seus contatos. “A maioria dos meus clientes hoje vem das redes sociais, de gente que me segue e gosta do meu perfil. É uma responsabilidade muito grande, eu tenho sempre que me atualizar sobre o que eu estou escrevendo e falando, porque tem mais de um milhão de pessoas que me acompanham pelas redes”, aponta ela. “Quando você cresce, quando você tem um perfil grande assim, você aprende a ter mais responsabilidade com o que você fala e posta na internet”.
Funciona assim para o Francisco também. Hoje, a maior parte de seus clientes vem pelas redes sociais. “A OAB não permite que a gente faça, enquanto advogado, publicidade. O que acontece é que eu estou expondo direitos que as pessoas têm, e aí, eventualmente quando a pessoa tem algum problema, ela vem e me procura. Mais de 90% das pessoas que me procuram hoje vem das redes sociais”, pontua ele.
E, como sempre na vida, nem tudo são flores…
@afadinhadoconsumidor LEMBRETE: Exigir consumação mínima é prática ABUSIVA E ILEGAL . Boas férias . Beijos de fada 😘✨🧚🏻♀️
É claro que produzir conteúdos desse tipo na internet também tem seus percalços e desafios. Mas ajudar o próximo com um conteúdo não apenas fácil, mas também gratuito, é algo que impulsiona ambos os advogados a continuarem produzindo conteúdo de qualidade.
“ Eu tinha muita vergonha no começo de gravar os vídeos por causa da minha voz, eu sempre sofri bullying, desde a época da escola, por causa dela. Eu ficava com muito medo de ter ‘haters’ que falassem sobre isso. Foi muito difícil no começo porque esses comentários sobre a minha voz realmente aconteceram. Mas já me acostumei e, quando você para de alimentar esses ‘haters’, eles param de colocar esses comentários. Até a minha própria comunidade rebate eles hoje”, comenta Kessya.
Para Francisco, os comentários ofensivos aparecem com frequência, mas ele já aprendeu a lidar com a situação de uma forma mais inteligente.”Eu já passei por momentos difíceis, mas tenho uma vantagem que boa parte dos criadores de conteúdo não têm: eu sou advogado. A pessoa pensa mais vezes antes de fazer um comentário ofensivo. Mas é lógico que tem comentários chatos, negativos. Eu procuro responder todo mundo, inclusive esses comentários, tento chamar para argumentar. Agora, quando é uma ofensa, eu já deixo claro que podemos levar para a Justiça”, completa.
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O importante é que, mesmo com as dificuldades, os caminhos seguem frutíferos. Kessya conta que, daqui para frente, o objetivo é levar essa informação a ainda mais gente e garantir que as pessoas tenham mais consciência sobre seus direitos enquanto consumidores.
“O advogado já conhece o Direito, mas o resto das pessoas não, e é para elas que eu falo. Vou deixar a linguagem difícil para as auditorias, no meu canal, é a fadinha que vai explicar, porque eu tenho um cuidado também quando vou produzir os vídeos para usar uma linguagem mais informal, mais descomplicado. E o objetivo é fazer o que eu gosto e ajudar as pessoas”, finaliza ela.
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