Por Liliah Angelini, expert da WGSN
A economia da locação é um desdobramento da já difundida economia compartilhada, ambas muito impulsionados pelo comportamento de consumo dos “genzennials” – consumidores das gerações Millennials e Geração Z. A forma de pensar dessas gerações, entre outros pontos, prioriza o acesso à posse e esse estilo de vida vem movimentando diversos mercados à medida em que as marcas precisam se adaptar às suas demandas, necessidades e novas prioridades.
Hoje vemos um consumidor cada vez mais inserido na economia de compartilhamento – que já invadiu as indústrias de moda, hotelaria, imobiliária, entretenimento, automotiva, entre outras – a ascensão desse mercado mostra que, além do ressignificado de propriedade, as pessoas querem viver, comprar e consumir de modo mais sustentável.
Pagar pouco para ter acesso aos bens de outras pessoas pode ser um atrativo para determinado grupos de consumidores interessados em poupar, como os millennials ou mesmo a Geração Z, que querem poder renovar desde seu guarda-roupa à decoração da sua casa, sem complicações e sem ter que se comprometer com um investimento a longo prazo e, principalmente, sem gastar muito.
Hoje sabemos que um dos mercados em que a economia da locação mais se desenvolve e avança rapidamente é na indústria de moda. O mercado on-line de locação de roupas está em alta no mundo todo, à medida que o público está mais consciente em relação aos seus hábitos de compra e prefere ter acesso a um produto do que ser dono dele. Novamente, estamos falando de um consumidor cada vez mais racional e mais adepto da filosofia “comprar menos, porém melhor”.
De acordo com a Reuters, esse segmento deve evoluir a uma taxa de crescimento anual (CAGR) de 10,76%, entre 2018 e 2023. Os consumidores estão, portanto, cada vez mais confortáveis ??com a ideia de alugar seus guarda-roupas e estima-se que essa tendência deva movimentar globalmente USD$1,85 bilhão até 2023.
Alguns estudos indicam, também, que esse mercado deve superar o fast fashion nos próximos anos. Os modelos de locação atraem as duas maiores segmentações de adolescentes da Geração Z: a Geração Eu, que deseja novidades e atualizações rápidas de tendências na velocidade do Instagram, e a Geração Nós, que valoriza o consumo mais lento e as compras sustentáveis.
As marcas já estão explorando estratégias de aluguel direcionadas a adolescentes como um meio de se incorporar a esse público, até como uma maneira de minimizar que os jovens façam dívidas apenas para aumentar o número de seguidores.
A loja de moda jovem Urban Outfitters está implementando o Nuuly, um programa de locação que permite ao cliente alugar seis itens (até um valor combinado de US$ 800) por US$ 88 por mês. Se gostar, o usuário pode comprar as peças.
Itens de marcas como Reebok e Fila, ou mesmo as peças vintage clássicas da Urban Outfitters, estão disponíveis nessa iniciativa.
Outro ponto importante, relacionado à economia saturada dos influenciadores, é o aumento da relevância do influenciador “peer-to-peer” – os consumidores estão cada vez mais pedindo dicas de pessoas próximas para tomar decisões de compra. Essa outra tendência de comportamento está abrindo espaço para outras propostas de locação, que permitem ao público emprestar roupas entre si, em vez de recorrer à intermediação de uma empresa ou marca.
Um exemplo dessa proposta é o aplicativo Tulerie, que conecta donos de itens de luxo e pessoas interessadas em empréstimos por um período curto. Ele conta com um recurso de mensagens que permite trocar informações, como quais acessórios usar em um look ou como vestir uma determinada peça. Esse modelo de negócio acaba sendo muito interessante, já que dados na WGSN mostram que uma pessoa utiliza em média apenas 30% das peças do seu guarda-roupa, e nesse contexto, emprestar roupas pode se tornar uma forma de renda adicional.
No geral, as iniciativas de aluguel no varejo demonstram um novo relacionamento das pessoas com os produtos, comunicando outro tema relevante principalmente para essas duas gerações: a sustentabilidade. Com a sustentabilidade totalmente incorporada à economia circular, não surpreende que as novas plataformas de locação estejam apostando em iniciativas ecológicas para salvar o planeta.
A Wardrobe, uma plataforma americana de locação de roupas, desenvolveu parcerias com 40 lavanderias sustentáveis de Nova York, onde os usuários podem pegar ou devolver as peças alugadas. A maior franquia de lavanderia da cidade, a GreenEarth, faz parte dessa iniciativa com uma proposta sustentável – a empresa utiliza somente produtos não tóxicos ao meio-ambiente e às pessoas, e disponibiliza aos clientes bolsas recicláveis para que possam transportar suas roupas.
Olhando além da Geração Z, vemos que definitivamente o conceito de propriedade está em queda entre as pessoas dos 25 aos 34 anos. Em 2018, um relatório do Urban Institute apontou que os millennials são proprietários de muito menos imóveis do que os Baby Boomers e a Geração X, sendo frequentemente descritos como a geração do aluguel.
Outro dado que reforça o comportamento dessa geração é o de uma pesquisa feita pela plataforma de imóveis Hotpads, que mostra que o Millennial americano médio gasta US$ 202k em aluguel por aproximadamente 12 anos antes de comprar uma casa.
Apesar de o aluguel de móveis ser hoje uma realidade que se sobressai globalmente, o mercado de aluguel de interiores, no entanto, está apenas começando a surgir e ainda pode ser muito explorado. Para os locatários da geração Y, o aluguel de móveis apresenta diversos benefícios, que partem de questões mais técnicas como logística, por exemplo, mas que satisfazem necessidades mais pessoais, como a possibilidade de renovação do lar de forma mais fácil e rápida – os consumidores não precisam carregar seus móveis quando se deslocam, os móveis de aluguel tendem a ser de qualidade superior e estão disponíveis a preços mais baixos, e nessa proposta, o acesso a novos estilos e tendências está sempre ao alcance.
A gigante IKEA começou a implantar um modelo de locação na Suécia, disponibilizando cadeiras e mesas. No futuro, o plano da empresa é criar “serviços de assinatura” de móveis em escala global. De acordo com a empresa, essa iniciativa foi concebida porque muitas pessoas mudam de casa com frequência, mas não podem comprar móveis novos sempre que isso acontece.
Nos EUA, a marca Feather opera um modelo baseado em assinatura para aluguel de móveis. Os assinantes pagam uma taxa mensal, dependendo de quantas peças estão alugando e, quando se deslocam, podem renovar o plano existente, comprar os móveis imediatamente, trocar por peças diferentes ou simplesmente devolvê-los. A marca também oferece pacotes, como uma sala de estar de quatro peças completa com sofá, cadeira, abajur e mesa de café, por menos de US $ 100 por mês.
Já a empresa Kamarq, conhecida por ser “o Netflix de móveis”, oferece planos de aluguel que são baseados em opções de seis e dez meses e que variam entre USD $ 5 a UDS $ 18 por item por mês. Depois que o plano termina, os consumidores podem escolher entre ficar com o item, trocá-lo ou devolvê-lo. Todos os itens são feitos de materiais 100% reciclados e, uma vez devolvidos, são reutilizados.
Outra forma de dar mais conveniência a esse consumidor “genzennial” que vive pressionado devido à afluência de tempo e que precisa lidar com inúmeras decisões diariamente, são as novas parcerias entre plataformas de aluguel de roupas e outras indústrias, como foi feito entre a plataforma americana Rent the Runway e a WeWork.
A Rent the Runway instalou caixas de devolução em 15 filiais da empresa de coworking espalhadas por seis cidades dos EUA, com o objetivo de minimizar o estresse das devoluções. A iniciativa acabou sendo algo positivo para a empresa e para o cliente, e ajudou a reforçar ainda alguns dos inúmeros benefícios da economia da locação.
As pessoas cada vez mais não serão mais donas de nada, e os varejistas tradicionais precisam aceitar essa nova realidade que se molda, repensando seus modelos de negócio para incorporar modelos de aluguel e assinatura que funcionem para o segmento de massa. Essa nova estratégia pode ser benéfica não somente como fonte de renda adicional para as marcas, mas pode ser um canal para testarem inovações – as empresas podem aproveitar essa oportunidade para testar novas linhas de produtos ou oferecer novos serviços de pós-venda, por exemplo, o que permitiria que a empresa conseguisse acompanhar o ciclo de vida de um produto nesse mercado secundário para tomar decisões mais assertivas em relação à mix, portfólio e experiência de consumo de toda a jornada de compra.
Não é um modelo fácil de ser implementado já que existem barreiras até psicológicas em muitos casos, mas algumas ações simples podem ajudar a rompê-las. Um primeiro passo para as marcas que decidirem trabalhar com essa estratégia pode ser o de repensar o branding desse modelo – apostar em uma comunicação voltada para “serviços de assinatura” ao invés de “aluguel de produtos” pode ajudar a quebrar eventuais barreiras dos consumidores frente à essa proposta. Além disso, táticas que trazem o conceito de “experimente antes de comprar” também podem ser exploradas para garantir o sucesso das marcas na implementação dessa nova frente de negócio.
SOBRE A WGSN
A WGSN é líder mundial em tendências e previsões. Suas soluções incluem: previsão de tendências de moda e estilo de vida, análise de dados, validação de produtos por fontes colaborativas online e serviço de consultoria especializada. A WGSN se foca em ajudar seus clientes a conquistarem um sucesso ainda maior. Alguns dos negócios mais criativos e inovadores do mundo utilizam as soluções da WGSN – desde marcas multinacionais até designers independentes. Mais de 92% dos seus clientes dizem que continuam a confiar na consultoria ano após ano, pois o serviço dela melhorou a lucratividade e o conhecimento deles para entrar em novos mercados com confiança.
+ GERAÇÕES
Geração digital: eles praticam o que pregam?
De Diabo Veste Prada a La Casa de Papel: como a geração Z enxerga o líder ideal
Fortnite: entenda a obsessão da Geração Z